Ícone do site Drª Alessandra Strazzi

Devolução de valores recebidos de boa-fé do INSS: Entendimento dos Tribunais

Tena 692 STJ e Tema 979 STJ - devolução aposentadoria INSS

1) Introdução

O Tema 979/STJ e o Tema 692/STJ (recentemente revisado) tratam de uma discussão que existe há tempos no universo previdenciário: se os valores recebidos por segurado de boa-fé devem ser devolvidos ao INSS caso o benefício seja cancelado. 🤯

Por exemplo: se uma decisão judicial ou administrativa viesse a cancelar o benefício, seria o segurado obrigado a restituir os valores recebidos anteriormente, ainda que de boa-fé?

Nós, advogados previdenciaristas, tendemos a defender que, devido ao caráter alimentar dos benefícios, eles seriam irrepetíveis, se recebidos de boa-fé

😭 Mas, infelizmente, a resposta não é tão simplista quanto muita gente imagina, especialmente porque o STJ mudou radicalmente seu posicionamento de uns anos para cá.

Por isso, resolvi escrever um artigo completo e atualizado, trazendo tudo o que você precisa saber para orientar seus clientes da maneira mais segura possível! 

👉🏻 Dá uma olhada em tudo o que você vai aprender hoje: 

  • O que é o caráter alimentar do benefício e porque isso poderia justificar a irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé;
  • O que os Temas 692/STJ, 979/STJ e 799/STF dizem sobre a necessidade ou não de devolução dos valores recebidos indevidamente do INSS;
  • Cuidados a serem tomados antes de decidir pedir a tutela antecipada no caso do seu cliente;
  • Em quais hipóteses o INSS pode cobrar os valores recebidos indevidamente pelo beneficiário;
  • Qual deve ser o procedimento do INSS para reaver o valor pago indevidamente.

E, para facilitar a vida dos nossos leitores, estou disponibilizando um Modelo de Contrato de Honorários Advocatícios Genérico, que pode ser adaptado e utilizado em qualquer área do Direito.

👉  Para receber a sua cópia gratuitamente, clique abaixo e informe o seu melhor e-mail 😉

2) Irrepetibilidade das verbas alimentares recebidas de boa-fé

Quando dizemos que determinada verba tem caráter alimentar, significa que aquele valor contribui para a subsistência de seu destinatário e de sua família. 👨‍👩‍👧‍👦

Ou seja, é esse valor que provê as condições relativas à dignidade da pessoa humana (como alimentação, moradia, lazer, vestimenta, educação, cultura, saúde física e mental etc.). 

Obviamente, os benefícios se enquadram na categoria de verbas de caráter alimentar, visto que representam o provento do beneficiário e de seus familiares naqueles momentos em que ele não possui mais condições de se manter com as “próprias forças” (seja pela idade avançada ou pelo comprometimento de sua saúde).

⚖️ Inclusive, essa previsão está expressa no art. 100, §1º, da Constituição Federal:

“Art. 100, § 1º, CF. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.” (g.n.)

Como visto, quando a verba possui caráter alimentar, o ordenamento jurídico lhe concede um tratamento especial, justamente por se tratar de um dinheiro que representa o sustento do cidadão.   

E esse tratamento especial gera muitas consequências jurídicas no que se refere às verbas de caráter alimentar, nas mais variadas áreas do direito. 😊 

Mas, como nosso enfoque é previdenciário e o artigo de hoje trata especificamente da devolução de valores recebidos de boa-fé, decidi abordar apenas as consequências jurídicas geradas pelo princípio da irrepetibilidade dos alimentos na área previdenciária!

[Obs.: E por falar em consequências jurídicas, recentemente publiquei um artigo tratando da situação dos segurados que trabalham enquanto recebem auxílio-doença. Caso tenha algum cliente nesta condição, recomendo a leitura: Trabalhar e receber auxílio-doença: quais as consequências?]

3) Valores recebidos do INSS são irrepetíveis? O caráter alimentar do benefício previdenciário

Quando comecei a advogar com direito previdenciário (e olha que não faz tanto tempo assim…😂), era comum a afirmação de que benefícios previdenciários são verbas alimentares e, como tais, irrepetíveis se recebidos de boa-fé

Ou seja: se o beneficiário recebeu o valor de boa-fé (acreditando que realmente fazia jus ao benefício), não poderia haver decisão administrativa ou judicial determinando a devolução ao INSS de qualquer quantia.

Inclusive, a jurisprudência era no sentido de que o benefício seria cancelado e o segurado não mais receberia os valores, mas não precisaria devolver as parcelas já pagas pelo INSS. 🙏🏻

Ao meu ver, tal entendimento fazia total sentido, visto que os valores já foram incorporados ao patrimônio do beneficiário, de modo que uma eventual devolução geraria um enorme impacto financeiro não só à ele, como a toda sua família. 

Isso faz ainda mais sentido se a gente pensar no tanto que o Direito Previdenciário é confuso, né?!

Se nós (e os servidores do INSS), que estudamos todos os dias, já nos confundimos, Imagina o segurado? Como ele poderia saber que o benefício seria indevido? Ele confia na decisão do INSS e toma aquele direito por certo… 🤓

Adiciona-se ainda o fato de que os beneficiários, em sua maioria, já possuem idade avançada e realmente necessitam dos valores para manterem uma qualidade de vida compatível com sua evolução etária.

😢 Além disso, as referidas prestações haviam sido recebidas de boa-fé pelo segurado, sendo muito penoso serem obrigados a promover a restituição de valores tão altos.

No entanto, sempre existiu previsão nas normas previdenciárias sobre as hipóteses em que o segurado deveria restituir o INSS

3.1) O que dizem as normas previdenciárias?

Atualmente, o art. 625 da IN n. 128/2022 diz o seguinte: 

“IN n. 128/2022, Art. 625. O INSS pode descontar da renda mensal do benefício:

[…]

II – pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a 30% (trinta por cento) do valor da renda mensal do benefício, podendo o percentual ser reduzido por ato normativo específico, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito;

[…]

§ 1º O beneficiário deverá ser cientificado, preferencialmente por meio digital, dos descontos efetuados com base nos incisos I e II do caput, devendo constar da comunicação a origem e o valor do débito.

§ 2º Deverão ser compensados no crédito especial ou na renda mensal de benefício concedido regularmente e em vigor, ainda que na forma de resíduo, os valores pagos indevidamente pelo INSS, desde que o recebimento indevido tenha sido pelo mesmo beneficiário titular do benefício objeto da compensação, devendo ser observado os prazos de decadência e de prescrição, referidos nos arts. 593 e 595, respectivamente, quando se tratar de erro administrativo. […]” (g.n.)

👉🏻 E, mesmo antes disso, a IN n. 77/2015 (art. 523) e o Decreto n. 3.048/1999 já traziam previsão sobre as hipóteses em que o segurado deveria restituir o INSS:

“Decreto n. 3.048/1999, Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:

[…]

II – pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda trinta por cento da importância da renda mensal do benefício, nos termos do disposto neste Regulamento; (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

§ 2º  A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)

§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.

§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:

I – no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e

II – no caso dos demais beneficiários, será observado:

a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e

b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa.

§ 5º No caso de revisão de benefícios em que resultar valor superior ao que vinha sendo pago, em razão de erro da previdência social, o valor resultante da diferença verificada entre o pago e o devido será objeto de atualização nos mesmos moldes do art. 175.” (g.n.)

😩 Observe que o Decreto n. 10.410/2020 inclusive expandiu a abrangência das hipóteses em que o INSS pode descontar valores da renda dos segurados. 

Além disso, lembra que eu comentei que a jurisprudência se posicionava no sentido de não ser devida a devolução dos valores recebidos de boa-fé?

Acontece que, em meados de 2015, tivemos uma guinada jurisprudencial e o entendimento mudou… 🙄

4) Devolução de valores recebidos de boa-fé INSS: Jurisprudência

Quando se trata de devolução de valores recebidos de boa-fé ao INSS, costumo dizer que há três Temas nas Cortes Superiores que os advogados previdenciaristas precisam dominar: Tema 692/STJ, Tema 979/STJ e Tema 799/STF.

Mas, se você ainda não sabe do que se trata, não se preocupe. A seguir, vou explicar tudo o que você precisa saber sobre cada um deles! 😉

4.1) Tema 692 STJ: devolução de valores recebidos a título de tutela antecipada posteriormente revogada

Vamos começar falando sobre o Tema 692 do STJ, que trata da devolução de valores recebidos a título de tutela antecipada que foi posteriormente revogada!

Em outubro de 2015, o STJ julgou o Tema Repetitivo n. 692 (REsp n. 1.401.560/MT, de relatoria do Ministro Og Fernandes), que discutia se seria devida ou não a devolução dos valores recebidos pelo beneficiário do RGPS em virtude de decisão judicial precária que veio a ser revogada.

📜 Na ocasião, foi fixada a seguinte tese vinculante:

“A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.” (g.n.)

Ou seja: se o autor de uma ação contra o INSS conseguisse tutela antecipada em primeira instância, passando a receber o benefício de imediato e, posteriormente, a tutela fosse revogada e o pedido julgado improcedente, ele seria obrigado a devolver esses valores.

Na época, essa decisão foi um “soco no estômago” de todos os advogados previdenciaristas, até porque contrariava a jurisprudência dominante da própria Corte! 😵

Tal mudança de posicionamento do STJ fez com que fossem proferidas diversas decisões teratológicas por todo o país, inclusive contrárias à segurança jurídica e aos princípios constitucionais que disciplinam a Seguridade Social. 

🤯 Naturalmente, tais decisões “pegaram de surpresa” àqueles que recebiam o benefício em razão de tutela antecipada concedida sob a égide do entendimento jurisprudencial favorável anterior.

Lembro que fiquei muito chocada e abalada, sem saber como informar os clientes sobre a possibilidade de devolução dos valores. 

E vocês, como se sentiram e como passaram a agir com seus clientes? Compartilhem comigo nos comentários! 😉

4.1.1) Julgamento da Proposta de Revisão do Tema n. 692 do STJ

Em 2018, a 1ª Seção do STJ admitiu o REsp n. 1.734.627/SP, acolhendo a proposta de revisão da tese fixada no Tema n. 692. 

O Ministro Relator do REsp, ressaltou a necessidade de ampliação do debate das variações a respeito da questão (distinguishing), listando as novas situações que poderiam ser analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça:

a) tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida; 

b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida; 

c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015; 

d) tutela de urgência concedida initio litis e não recorrida; 

e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância; 

f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância;

g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente; 

h) tutela de urgência concedida e cassada, a seguir, seja em juízo de reconsideração pelo próprio juízo de primeiro grau, ou pela segunda instância em agravo de instrumento ou mediante pedido de suspensão; 

i) tutela de urgência cassada, mesmo nas situações retratadas anteriormente, mas com fundamento expresso na decisão de que houve má-fé da parte ou afronta clara a texto de lei, como no caso das vedações expressas de concessão de medida liminar ou tutela antecipada.

Desse modo, desde 2018, estavam suspensos todos os processos ainda sem trânsito em julgado, individuais ou coletivos, que tratavam da questão submetida à revisão do Tema. 

🤓 A novidade é que essa proposta de revisão foi julgada em 11 de maio de 2022, sendo que a tese acabou sendo revisada e adequada às atualizações legislativas que tivemos desde 2015 (época em que a versão original da tese havia sido fixada). 

Olha só como ficou a nova redação da tese do Tema n. 692 do STJ:

“A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.” (g.n.)

4.1.1.1) Pontos importantes sobre a nova tese 

Veja que houve inclusão da possibilidade de desconto de percentual não superior a 30% sobre eventual benefício que ainda esteja sendo pago pelo INSS (conforme previsto nas normas previdenciárias).

Sei que você pode estar se perguntando: “E com relação a quem não recebe outro benefício, Alê?”

👉🏻 Bom, nesses casos, acredito que o INSS provavelmente ajuizará ação própria contra o então beneficiário, para a cobrança dos valores.  

Além disso, gostaria de pontuar alguns aspectos importantes sobre a nova tese!

Primeiramente, perceba que a nova redação passou também a permitir a cobrança dos valores relativos a benefícios assistenciais. Isso gera uma situação ainda mais gravosa, na medida em que esses benefícios têm caráter assistencial e base normativa diversa dos demais. 😖

Em segundo lugar, sabe aqueles pontos de distinguishing que o Ministro Relator levantou na proposta de revisão? Então, nenhum deles foi reconhecido na nova tese. 

A Corte entendeu que a maioria dessas situações processuais são diferentes apenas quanto ao momento em que foi concedida e/ou revogada a tutela de urgência (logo no início do feito, na sentença, na segunda instância, no STJ ou no STF). 

Apenas em certas situações, a tutela de urgência já estaria incorporada ao patrimônio jurídico do autor e sua revogação poderia resultar em injustiça no caso concreto. 

Mas, essas situações são tratadas da mesma forma pela lei (a tutela não deixa de ser precária e passível de modificação ou revogação a qualquer tempo, implicando no retorno ao estado anterior à sua concessão).

Portanto, haverá aplicação da tese principal também a esses casos que haviam sido alvo de distinguishing (o que, em minha opinião, deveria ter sido melhor explorado e disciplinado na tese 🤔). 

Por fim, vale a pena dizer que a Corte decidiu pela desnecessidade de modulação dos efeitos, sob o argumento de que o art. 927, § 3º, do CPC prevê que isso somente será necessário quando em caso de alteração da jurisprudência dominante (o que não teria ocorrido no caso concreto, em que houve reafirmação da tese anterior).

Apesar disso, acredito que seria muito conveniente a modulação dos efeitos, visto que algumas questões de distinguishing foram afastadas e também acrescentaram a possibilidade de devolução dos valores relativos a benefícios assistenciais. 

E, por falar no assunto, vale dizer que o próprio Ministro Relator esclareceu que situação diversa é da tutela de urgência cuja revogação se deu em razão de mudança superveniente da jurisprudência predominante (situação parecida com a que comentei no artigo Cabe Ação Rescisória em Matéria Previdenciária? [Resumo Simplificado]). 

O Ministro explicou que a superação do precedente deverá ser acompanhada da indispensável modulação dos efeitos, realizada pelo Tribunal que está promovendo a alteração jurisprudencial, em nome da segurança jurídica. ⚖️

Desse modo, uma eventual guinada jurisprudencial não resultaria, pelo menos a princípio, na devolução de valores recebidos por longo período de tempo.

[Obs.: Lembra das ações de desaposentação? Pois é, nelas também há discussão sobre o mesmo assunto. É o que explico no artigo: Desaposentação: devolução de valores recebidos e o STF]. 

4.2) Tema 979 STJ: devolução de valores recebidos indevidamente do INSS

Em 10 de março de 2021, foi julgado o Tema 979/STJ, que discutia sobre a devolução de valores recebidos indevidamente do INSS. 💰 

Esse Tema Repetitivo tinha como leading case o REsp n. 1.381.734/RN e a Corte discutiu se seria necessária ou não a devolução de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Previdência Social.

👉🏻 Na ocasião, foi fixada a seguinte tese vinculante

“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo, material ou operacional, não embasado em interpretação errônea ou equivocada da Lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o seu desconto no percentual de 30% do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com a demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.” (g.n.)

Desse modo, de acordo com o entendimento do STJ, em caso de erro do INSS (desde que não vinculado a interpretação de lei), o segurado deve devolver os valores anteriormente recebidos a título de benefício previdenciário. 

Inclusive, é permitido que o INSS, para fins de pagamento da dívida, desconte 30% do valor do benefício mensal (até a quitação).

🧐 O beneficiário apenas não terá que devolver o valor se conseguir comprovar que, no seu caso concreto, agiu com boa-fé objetiva, demonstrando que não era possível que ele constatasse que o pagamento estava sendo realizado de forma indevida.

Normalmente estudamos o conceito de boa-fé objetiva lá no direito civil e no direito do consumidor, lembra?

Especificamente com relação à esta decisão do STJ, o beneficiário NÃO terá agido com boa-fé objetiva, por exemplo, se restar comprovado que tinha condições de compreender que o valor não era devido e que ele poderia ter adotado um posicionamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a administração previdenciária. 

De acordo com o Ministro Relator, Benedito Gonçalves, há erros materiais ou operacionais que se mostram incompatíveis com a indispensável boa-fé objetiva e que dão ensejo ao ressarcimento do indébito (ex.: servidor sem filhos que, por erro da administração, recebe auxílio-natalidade).

Lembrando que houve modulação dos efeitos da decisão, que deverá ser aplicada somente aos processos distribuídos na primeira instância a partir da data da publicação do acórdão (23/04/2021).

Em minha opinião, não faz sentido exigir que o segurado comprove sua boa-fé. 🙄

No Direito, a boa-fé é presumida, sendo que somente a má-fé deve ser comprovada (e, no caso, o próprio INSS teria que comprovar que o segurado agiu nesse sentido, já que o ônus da prova é de quem alega). 

😢 Ademais, acredito que, na prática, será muito difícil comprovar a boa-fé do beneficiário, dependendo muito da análise do caso em concreto

Contudo, foi esse o posicionamento adotado pelo STJ!

Está gostando do artigo? Clique aqui e entre no nosso grupo do Telegram! Lá costumo conversar com os leitores sobre cada artigo publicado. 😊

4.2.1) Cuidado: os dois temas não tratam da mesma coisa!

Por fim,  que chamar sua atenção para um ponto importante: perceba que há uma importante distinção entre os dois temas:

  • O Tema 692/STJ trata de ações judiciais contra o INSS em que foi concedida tutela antecipada e, posteriormente, esta foi revogada. 
  • Já o Tema 979/STJ trata de hipóteses em que  segurado pede um benefício e o INSS concede, mas, depois de alguns anos, a autarquia revisa administrativamente o ato e decide que houve erro quanto à concessão, promovendo o cancelamento. 

🔍 Portanto, verifique qual é a situação em que seu cliente se encontra, pois o tratamento é diferenciado para ambos os casos:

  • Tema 692/STJ: o beneficiário terá que devolver os valores, o que pode ser feito por meio de desconto de até 30% em eventual benefício que a pessoa esteja recebendo. 
  • Tema 979/STJ: se o beneficiário não comprovar a boa-fé objetiva, ele terá que devolver os valores, sendo possível que o INSS desconte 30% do benefício mensal até a quitação da dívida. Contudo, isso vale somente para os processos distribuídos na primeira instância a partir da data da publicação do acórdão (23/04/2021).

4.3) Tema 799 STF: irrepetibilidade de valores recebidos de boa-fé 

Por último, não posso deixar de falar sobre o Tema 799/STF e a irrepetibilidade de valores recebidos de boa-fé!

Quando comentei sobre o julgamento da proposta de revisão do Tema n. 692 pelo STJ, acredito que muitos colegas possam ter se questionado: “Mas por que não foi interposto Recurso Extraordinário ao STF?”. 🤔

Pois é, o problema é que anteriormente (março de 2015) o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Tema n. 799 (ARExt n. 722.421/MG), já havia decidido pela inexistência de repercussão geral da questão, por não se tratar de matéria constitucional.

O Tema n. 799 do STF versava sobre se, à luz do art. 5º, I, XXXV, XXXVI, LV, e do art. 195, § 5º, ambos da Constituição Federal, seria possível ou não a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, em virtude de tutela antecipada posteriormente revogada.

📜 Confira a ementa:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE CONCESSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL. INEXISTÊNCIA.

I – O exame da questão constitucional não prescinde da prévia análise de normas infraconstitucionais, o que afasta a possibilidade de reconhecimento do requisito constitucional da repercussão geral.

II – Repercussão geral inexistente.” (g.n.)

(STF, ARext n. 722.421/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgamento: 20/03/2015, Publicação: 30/03/2015)

Desse modo, como o STF entendeu que o tema apresentava natureza infraconstitucional, tornou-se impossível que Recursos Extraordinários sobre a matéria “subissem” para a Suprema Corte, fazendo com que fosse mantida a decisão e, consequentemente, aplicada a tese fixada no Tema n. 692 do STJ.

5) Devo pedir tutela antecipada para o meu cliente?

Recomendo que a decisão sobre pedir tutela antecipada seja tomada em conjunto com o cliente, sempre após uma conversa muito franca e honesta sobre o risco de futuramente ter que devolver os valores recebidos e pagar honorários de sucumbência.

⚖️ Lembre-se de que o advogado tem o dever profissional de informação, sendo sua responsabilidade informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão e das consequências que poderão advir da demanda (art. 8º do Código de Ética e Disciplina). 

Outro ponto a ser levado em consideração: é muito comum os advogados cobrarem honorários quando o benefício previdenciário é implantado por tutela antecipada.  

⚠️ Se esse for o seu caso, sugiro que também deixe expresso no contrato de honorários (até mesmo através de um termo aditivo) sobre como procederá nessa situação (se os valores de honorários também serão devolvidos, qual será a forma de pagamento etc.). 

Aliás, caso o cliente opte por pedir a tutela antecipada, vale a pena também solicitar que assine um termo assumindo que está ciente do risco de ter que devolver os valores posteriormente. 

Em minha opinião, diante de tanta insegurança jurídica e desrespeito ao direito adquirido,  o melhor é pedir a tutela antecipada apenas quando o advogado tiver muita certeza quanto ao êxito da ação (se é que isso é possível, né?).

🤗 Caso queria entender como as tutelas provisórias foram disciplinadas pelo CPC de 2015, recomendo a leitura do artigo: Tutela antecipada no novo CPC: entenda os tipos de tutelas provisórias de uma vez por todas!.

6) Perguntas comuns sobre devolução de valores ao INSS

Sei que o tema pode parecer confuso, principalmente por conta da “guinada jurisprudencial” do STJ.

Por isso, selecionei para responder duas das principais perguntas que recebemos de nossos leitores sobre a devolução de valores ao INSS!

Se você tiver mais alguma dúvida ou sugestão de tema para os próximos artigos, é só deixar nos comentários, ok? 😜

6.1) O INSS pode cobrar valores recebidos indevidamente?

Sim, o INSS pode cobrar valores recebidos indevidamente.

Conforme expliquei no tópico 3.1, o art. 625 da IN n. 128/2022 (antigo art. 523 da IN n. 77/2015) e o art. 154 do Decreto n. 3.048/1999 elencam hipóteses em que o INSS está autorizado a cobrar esses valores. 😰

Além disso, o Tema 692/STJ diz que, em ações judiciais contra o INSS em que foi concedida tutela antecipada e, posteriormente, esta foi revogada, o beneficiário terá que devolver os valores, o que pode ser feito por meio de desconto de até 30% em eventual benefício que a pessoa esteja recebendo. 

🧐 Já o Tema 979/STJ estabelece que, se o segurado pede um benefício e o INSS concede, mas, depois de alguns anos, a autarquia revisa administrativamente o ato e decide que houve erro quanto à concessão (promovendo o cancelamento), o beneficiário terá que devolver os valores se não comprovar a boa-fé objetiva.

Nesses casos, o INSS também pode descontar 30% do benefício mensal até a quitação da dívida. Contudo, isso vale somente para os processos distribuídos na primeira instância a partir da data da publicação do acórdão do Tema 979/STJ (23/04/2021).

6.2) Qual deve ser o procedimento do INSS para reaver o valor pago indevidamente?

Sabendo que o INSS pode cobrar valores recebidos indevidamente, a pergunta que surge é: “Qual deve ser o procedimento do INSS para reaver o valor pago indevidamente?”.

O art. 625, inciso II, da IN n. 128/2022 estabelece que o INSS pode descontar da renda mensal do benefício o pagamento administrativo ou judicial indevido ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial. 💰

Mas, cada parcela deve corresponder, no máximo, a 30% do valor da renda mensal, podendo o percentual ser reduzido por ato normativo específico, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.

⚠️ Lembrando que, o próprio art. 625, §1º da IN n. 128/2022 prevê que o beneficiário deverá ser cientificado, preferencialmente por meio digital, dos descontos efetuados, devendo constar da comunicação a origem e o valor do débito.

Além disso, deverão ser compensados no crédito especial ou na renda mensal de benefício concedido regularmente e em vigor, ainda que na forma de resíduo, os valores pagos indevidamente pelo INSS.

Porém, isso apenas é possível se o recebimento indevido foi feito pelo mesmo beneficiário titular do benefício objeto da compensação, devendo ser observado os prazos de decadência e de prescrição, quando se tratar de erro administrativo (art. 625, §2º da IN n. 128/2022).

7) Conclusão

A questão da devolução de valores recebidos de boa-fé ao INSS é algo que, infelizmente, vem sendo alvo de mudança jurisprudencial nos últimos anos (assim como vários outros temas que conferiam maior segurança ao beneficiário). 😭

Atualmente, via de regra, o INSS pode cobrar valores recebidos indevidamente, sendo que a lei e a jurisprudência se posicionam nesse sentido. 

Portanto, recomendo transparência na hora de orientar o cliente sobre as possibilidades da demanda. Em caso de pedido de tutela antecipada, a atenção deve ser redobrada, na medida em que pode sim existir o risco de devolução dos valores recebidos.

E já que estamos no final do artigo, que tal darmos uma revisada? 😃

👉🏻 Para facilitar, fiz uma listinha com tudo o que você aprendeu:

  • Caráter alimentar do benefício e porque isso justificaria a irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé;
  • Temas 692/STJ, 979/STJ e 799/STF: quando é devida a devolução dos valores recebidos do INSS;
  • Cuidados a serem tomados antes de decidir pedir a tutela antecipada;
  • Hipóteses em que o INSS pode cobrar os valores recebidos indevidamente pelo beneficiário;
  • Qual deve ser o procedimento do INSS para reaver tais valores.

E não esqueça de baixar o  Modelo de Contrato de Honorários Advocatícios Genérico.

👉  Clique aqui e faça o download agora mesmo! 😉

Fontes

Veja as fontes utilizadas na elaboração deste artigo na publicação original no blog: Devolução de valores recebidos de boa-fé do INSS: Entendimento dos Tribunais

Sair da versão mobile