1) Introdução
O julgamento do Tema 272 da TNU foi importante para entender o que deve ser feito naqueles casos em que o segurado está temporariamente incapaz para o trabalho e a perícia médica indica que a única forma de reverter o quadro seria através de cirurgia, mas a pessoa se recusa a fazer. ❌
É uma situação bem comum de acontecer, mas que gera várias dúvidas não só nos segurados, mas também nos advogados previdenciaristas.
Afinal, a pessoa é obrigada a fazer a cirurgia para ter direito ao benefício? E, se não fizer, vai ser caso de manutenção do auxílio-doença, reabilitação ou concessão de aposentadoria por invalidez? 🤯
Para esclarecer essas e outras questões, resolvi escrever o artigo de hoje!
👉🏻 Dá uma olhada em tudo o que você vai aprender:
- Se o segurado é ou não obrigado a se submeter a cirurgia;
- Quais procedimentos são considerados facultativos para a recuperação da capacidade laboral;
- Quando é possível a manutenção do auxílio por incapacidade temporária ou reabilitação profissional;
- Em quais casos a necessidade de cirurgia autoriza a concessão automática de aposentadoria por incapacidade permanente, de acordo com o julgamento do Tema 272 da TNU;
- Jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais sobre o assunto.
[Leia também: O Milagre da Contribuição Única no INSS: Explicação e Guia de Cálculo ]
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2) O segurado é obrigado a se submeter a cirurgia?
Em primeiro lugar, o art. 5º, inciso II da Constituição Federal diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (princípio da legalidade). ⚖️
Como não existe lei trazendo qualquer determinação nesse sentido, nenhuma pessoa pode ser obrigada a se submeter a qualquer tratamento cirúrgico o que, obviamente, inclui as demandas envolvendo benefícios por incapacidade do INSS (administrativas e judiciais), como vou explicar no próximo tópico.
🤗 O segundo ponto é que o princípio da autonomia da vontade garante que a pessoa tem direito de tomar as decisões relacionadas ao seu corpo e à sua vida. Então, nenhuma exigência do INSS ou determinação judicial teria força para mudar isso.
A decisão precisa partir do próprio segurado, porque todos temos o direito de escolher não querer passar por um procedimento cirúrgico (seja por questões de insegurança, medo ou até mesmo religiosas). Inclusive, isso envolve também o princípio da dignidade da pessoa humana.
Desse modo, o segurado não pode ficar sem receber um benefício do INSS simplesmente porque se nega a enfrentar a cirurgia indicada para recuperação da capacidade laboral (até porque, nenhum procedimento cirúrgico garante que o paciente ficará recuperado 100%).
🧐 Mas, isso não quer dizer que ele terá direito de se aposentar por invalidez “automaticamente”. A questão é um pouco mais complexa do que parece, como vou explicar nos próximos tópicos!
3) Procedimentos facultativos para recuperação da capacidade
De acordo com a lei, quem recebe auxílio-doença (atual aposentadoria por incapacidade temporária), pensão por morte ou aposentadoria por invalidez (atual aposentadoria por incapacidade permanente), sob pena de suspensão do pagamento do benefício, tem o dever de passar por perícia médica do INSS periodicamente. 🧑🏻⚕️👨🏾⚕️
Isso é feito para avaliar se a incapacidade persiste ou não, nos termos do art. 43, §4º da Lei n. 8.213/1991 e do art. 46, caput do Decreto n. 3.048/1999.
Além disso, são obrigados a continuar passando por tratamento médico (disponibilizado pelo SUS) e, se for o caso, serão submetidos ao processo de reabilitação profissional do próprio INSS.
❌ Mas, o segurado não é obrigado a se submeter a cirurgia ou transfusão de sangue, que são considerados como procedimentos facultativos (a pessoa apenas faz se quiser).
Olha só o que diz o art. 101, caput, da Lei n. 8.213/1991:
“Art. 101. O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.” (caput)
👉🏻 Os arts. 46, 77 e 109 do Decreto n. 3.048/1999 (com redação dada pelo Decreto n. 10.410/2020), trazem disposições no mesmo sentido:
“Art. 46. O segurado aposentado por incapacidade permanente poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente, sem prejuízo do disposto no § 1º e sob pena de suspensão do benefício.
§ 1º Observado o disposto no caput, o aposentado por incapacidade permanente fica obrigado, sob pena de suspensão do pagamento do benefício, a submeter-se a exame médico-pericial pela Perícia Médica Federal, a processo de reabilitação profissional a cargo do INSS e a tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.” (g.n.)
“Art. 77. O segurado em gozo de auxílio por incapacidade temporária concedido judicial ou administrativamente está obrigado, independentemente de sua idade e sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Perícia Médica Federal, processo de reabilitação profissional a cargo do INSS e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.” (g.n.)
“Art. 109. O pensionista inválido fica obrigado, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Perícia Médica Federal, processo de reabilitação profissional a cargo do INSS e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.” (g.n.)
Os arts. 331 e 343 da IN n. 128/2022 (a nova Instrução Normativa do INSS) disciplinam a matéria da mesma forma.
Então, nos casos de incapacidade temporária, a ideia inicial é que o segurado recupere a capacidade laboral conforme for passando pelo tratamento médico e, ao final, consiga voltar a trabalhar. 🙏🏻
Mas, quando essa recuperação não acontece só com o tratamento médico, ele não pode ser obrigado a passar por cirurgia ou transfusão de sangue.
🤓 Nessas situações, antes de pensar em aposentadoria por invalidez, devem ser analisados dois cenários: a possibilidade de concessão ou manutenção do auxílio-doença ou de reabilitação profissional.
3.1) Opções em caso de não recuperação
O segurado está temporariamente incapaz e se nega a fazer a cirurgia indicada para recuperar a capacidade?
Então, em primeiro lugar, deve ser analisada a possibilidade de manutenção do auxílio-doença (ou de concessão, caso ele ainda não esteja recebendo o benefício). 🤕
Vale dizer que isso pode acontecer mesmo nos casos em que o segurado aceitou fazer a cirurgia e está aguardando o agendamento do procedimento médico.
🧐 Inclusive, para entender como agir quando o INSS nega o auxílio-doença e se é possível trabalhar até que o pedido judicial seja julgado, recomendo a leitura do artigo: Trabalhou enquanto aguardava o julgamento do auxílio-doença. E agora?
Em segundo lugar, deve ser analisada a possibilidade de reabilitação profissional, de acordo com as condições sociais e pessoais do segurado (como analfabetismo, pouca experiência profissional, idade etc.).
👉🏻 Só se não for possível a readaptação, é que a incapacidade temporária se “transforma” em incapacidade permanente e aí sim, pode ser considerada a aposentadoria por invalidez (como vou explicar no próximo tópico).
Até mesmo porque o art. 42 da Lei n. 8.213/1991 diz que apenas nos casos em que o segurado está totalmente incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, é que pode haver concessão da aposentadoria por invalidez.
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4) Necessidade de cirurgia autoriza concessão automática de aposentadoria por incapacidade permanente? [Tema 272 da TNU]
Em fevereiro de 2022, foi julgado o Tema 272 da TNU (PEDILEF n. 0211995-08.2017.4.02.5151/RJ).
😊 Esse tema era particularmente interessante, porque tratava desses casos em que a perícia médica constata que o único meio para o segurado recuperar a sua capacidade laboral é através de cirurgia.
Mas, como ninguém é obrigado a se submeter a procedimento cirúrgico, existia uma discussão sobre se poderia ou não haver a concessão “automática” de aposentadoria por invalidez (atual aposentadoria por incapacidade permanente).
Até porque a Súmula n. 47 da TNU (publicada em 2012) dizia que, uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deveria analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.
Ou seja, conceitos abertos que davam uma liberdade enorme para que o Juiz avaliasse se era caso ou não de concessão de aposentadoria por invalidez. 😮
Felizmente, no julgamento do Tema n. 272, a TNU resolveu isso e firmou a seguinte tese:
“A circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional, consideradas as condições pessoais do segurado, e a sua manifestação inequívoca a respeito da recusa ao procedimento cirúrgico.” (g.n.)
Portanto, nos casos em que só cirurgia pode reverter o quadro de incapacidade, a aposentadoria por invalidez apenas é concedida quando a reabilitação profissional for inviável E a pessoa se manifestar expressamente no sentido de que se recusa a se submeter ao procedimento cirúrgico.
⚠️ Perceba que a TNU indicou 2 requisitos cumulativos: reabilitação profissional inviável e recusa expressa do segurado em passar pela cirurgia (penso que o segurado provavelmente terá que assinar uma declaração expressando a recusa).
Isso porque, segundo o posicionamento da TNU, a única forma da incapacidade temporária se “transformar” em incapacidade permanente é se estiverem presentes os dois requisitos.
5) Jurisprudência
⚖️ Para que consigam ter uma visão mais prática do assunto, a seguir, selecionei algumas jurisprudências de Tribunais Regionais Federais sobre a recuperação da capacidade mediante cirurgia e os benefícios por incapacidade do INSS:
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. NECESSIDADE DE CIRURGIA. SENTENÇA PROCEDENTE PARA CONCEDER O BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DO INSS IMPROVIDO.” (g.n.)
(TRF-3, 9ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RI n. 0001398-29.2020.4.03.6315, Rel. Juíza Federal Marisa Regina Amoroso Quedinho Cassettari, Julgamento: 03/03/2022, Publicação: 20/03/2022)
“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO FAVORÁVEL. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE COM POSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. LAUDO IDÔNEO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-ACIDENTE INDEVIDOS. RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO.
[…]
2. O laudo pericial é o meio de prova idôneo a aferir o estado clínico do segurado, tendo em vista que tanto os documentos anexados pelo autor como o processo administrativo constituem prova de caráter unilateral.
3. No caso dos autos, a parte autora apresenta lesões que implicam incapacidade parcial e permanente apenas para trabalhos que exijam o uso dos membros inferiores.
4. A possibilidade de reabilitação para outras atividades e as condições pessoais da parte autora descartam a hipótese de direito à aposentadoria por invalidez ou auxílio-acidente.
6. Recurso da parte autora a que se nega provimento.” (g.n.)
(TRF-3, 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RI n. 0001782-80.2020.4.03.6318, Rel. Juíza Federal Tais Vargas Ferracini de Campos Gurgel, Julgamento: 18/02/2022, Publicação: 04/03/2022)
“APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE. RECUPERAÇÃO EXCLUSIVAMENTE MEDIANTE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. CONSECTÁRIOS.
1. Nas ações em que se objetiva a aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial.
2. Concede-se o benefício de aposentadoria por invalidez quando o laudo pericial conclui que a parte segurada está acometida por moléstia que a incapacita para o trabalho que exerce, não sendo suscetível de reabilitação profissional para outra atividade que lhe assegure o sustento e passível de recuperação exclusivamente mediante procedimento cirúrgico. […]” (g.n.)
(TRF-4, AC n. 2006.71.99.001418-1, 6ª Turma, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Publicação: 21/06/2006)
6) Conclusão
🧐 Nos casos em que a cirurgia é indicada como único meio de reverter o quadro de incapacidade laboral, mas o segurado se nega a fazer, primeiro deve ser analisada a possibilidade de manutenção (ou concessão) do auxílio-doença e reabilitação profissional.
A aposentadoria por invalidez apenas é concedida quando a reabilitação profissional for inviável E a pessoa se manifestar expressamente no sentido de que se recusa a se submeter ao procedimento cirúrgico (requisitos cumulativos), nos termos da tese do Tema n. 272 da TNU.
E já que estamos no final do artigo, que tal darmos uma revisada? 😃
👉🏻 Para facilitar, fiz uma listinha com tudo o que você aprendeu hoje:
- Porquê o segurado não é obrigado a se submeter a cirurgia;
- Cirurgia e transfusão de sangue são considerados procedimentos facultativos para recuperação da capacidade laboral;
- Quando é possível a manutenção do auxílio por incapacidade temporária ou reabilitação profissional;
- Quais requisitos devem estar presentes para a necessidade de cirurgia autorizar a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente, de acordo com o julgamento do Tema 272 da TNU;
- Jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais sobre o assunto.
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7) Fontes
Veja as fontes utilizadas na elaboração deste artigo na publicação original no blog: Recuperação da capacidade dependente de cirurgia e os benefícios por incapacidade (Tema 272 da TNU).
Alessandra Strazzi
Advogada | OAB/SP 321.795
Advogada por profissão, Previdenciarista por vocação e Blogueira por paixão! Autora dos blogs “Adblogando“ e "Desmistificando". Formada pela Universidade Estadual Paulista / UNESP.