“A viuvinha desamparada” (ou “As CATASTRÓFICAS alterações na pensão por morte parte 1”)
Em 30 de dezembro de 2014 foi publicada a Medida Provisória nº 664/2014 que alterou profundamente os benefícios previdenciários de pensão por morte, auxílio-reclusão e auxílio-doença. Nesta série de artigos ilustrarei, através de histórias fictícias, as principais alterações na pensão por morte*. Serão três artigos, cada um com um “conto”: *Obs.: todas as alterações na pensão por morte também aplicam-se ao auxílio-reclusão.Conto nº 1 – “A viuvinha desamparada“
Gabriel e Manoela namoravam desde a adolescência. Formavam um casal perfeito, companheiros de verdade um do outro. Assim que se casaram, Gabriel recebeu uma ótima promoção no emprego. Ele passaria a ganhar muito mais, mas seria transferido para uma cidade muito distante, mais de mil quilômetros de distância de onde moravam. Conversaram e decidiram que, como o novo salário seria muito bom, eles topariam. Mas, para isso, Manoela precisou sair de seu emprego. Ela era concursada da Prefeitura e ganhava um salário razoável, mas o novo salário de Gabriel conseguiria suprir isso. Chegando lá, ela tentaria um emprego como advogada, já que era formada em Direito, ou um concurso na região. Um ano se passou e não houve concurso para a região onde morava o casal. Manoela também não conseguiu um emprego na iniciativa privada. Todos os salários oferecidos para iniciantes na carreira eram irrisórios. Teve até o caso de um escritório que ofereceu a “fortuna” de R$ 400,00 por mês* (e isso porque estavam impressionados com o currículo dela, com várias especializações). Depois dessa história do emprego de R$ 400,00, Gabriel ficou muitoArt. 74, § 2º O cônjuge, companheiro ou companheira não terá direito ao benefício da pensão por morte se o casamento ou o início da união estável tiver ocorrido há menos de dois anos da data do óbito do instituidor do benefício, salvo nos casos em que: I – o óbito do segurado seja decorrente de acidente posterior ao casamento ou ao início da união estável; ou II – o cônjuge, o companheiro ou a companheira for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade remunerada que lhe garanta subsistência, mediante exame médico-pericial a cargo do INSS, por doença ou acidente ocorrido após o casamento ou início da união estável e anterior ao óbito.“Meus Deus, como assim? Então o casamento ou união estável precisa ter pelo menos dois anos para o cônjuge ter direito à pensão por morte? Por que isso?”, pensou Manoela. Continuou estudando e resolveu ler a “exposição de motivos” da medida provisória que, em um dos trechos, dizia assim:
“De igual maneira, é possível a formalização de relações afetivas, seja pelo casamento ou pela união estável, de pessoas mais idosas ou mesmo acometidas de doenças terminais, com o objetivo exclusivo de que o benefício previdenciário recebido pelo segurado em vida seja transferido a outra pessoa. Ocorre que a pensão por morte não tem a natureza de verba transmissível por herança e tais uniões desvirtuam a natureza da previdência social e a cobertura dos riscos determinados pela Constituição Federal, uma vez que a sua única finalidade é de garantir a perpetuação do benefício recebido em vida para outra pessoa, ainda que os laços afetivos não existissem em vida com intensidade de, se não fosse a questão previdenciária, justificar a formação de tal relação. Para corrigir tais distorções se propõe que formalização de casamento ou união estável só gerem o direito a pensão caso tais eventos tenham ocorrido 2 anos antes da morte do segurado, ressalvados o caso de invalidez do cônjuge, companheiro ou companheira após o início do casamento ou união estável, e a morte do segurado decorrente de acidente.Manoela chegou à conclusão que, para o Governo, todo mundo é fraudador. Então agora, porque existem alguns casos isolados de fraude, todos seriam prejudicados? Não seria mais justo cancelar a pensão por morte nos casos provados de farsas? E o princípio da presunção de inocência? Ah, é… esse só é valido no Direito Penal, para os crimes. Analisando as alterações feitas pela medida provisória, ela viu que agora a pensão por morte, para os cônjuges e conviventes, não era mais vitalícia na maior parte dos casos. O tempo que a pessoa vai receber pensão por morte (se tiver direito) varia de acordo com a “expectativa de sobrevida”, de acordo com uma tabela que está na Lei 8.213, em seu artigo 77, parágravo 5º. Essa expectativa de sobrevida, que é quanto tempo mais a pessoa provavelmente vai viver, é calculada pelo IBGE, através da mesma tabela do infame fator previdenciário. A pensão por morte agora poderia durar 3, 6, 9, 12 ou 15 anos, ou ser vitalícia, dependente da idade do cônjuge / convivente. Continuou lendo a exposição de motivos da medida provisória e revoltou-se com mais um trecho (bom, na verdade ela achou tudo um absurdo, mas vamos focar somente na história):
“(…) Tal proposta visa resguardar a concessão desse benefício aos dependentes do servidor que, de fato, tenham tido convívio familiar que gere a dependência ou relação econômica com o segurado e que afaste eventuais desvirtuamento na concessão desse benefício.”“Então agora é o INSS quem faz o nosso planejamento familiar?!”, esbravejou enquanto fechava violentamente seu laptop. Manoela não entendia muito de Direito Previdenciário, mas sabia muito de Direito Constitucional. Ela seria, ela própria, sua terceira cliente.
Fim do conto nº 1
[*A história de Manoela e Gabriel é fictícia, mas salário de R$ 400,00 foi retirado de uma história verdadeira, de uma colega e amiga minha. E era um emprego em período integral, para liderar uma equipe em uma cidade no interior de São Paulo. Acho que estou precisando escrever uma artigo sobre o mercado de trabalho para advogado empregado…]Aguardem cenas do próximo capítulo…
FONTES: Medida provisória nº 664/2014; Lei 8.213/91; Constituição Federal; Idade mínima para as aposentadorias: luzes e sombras; Aulas de atualização em Direito Previdenciário da Legale.Alessandra Strazzi
Advogada | OAB/SP 321.795
Advogada por profissão, Previdenciarista por vocação e Blogueira por paixão! Autora dos blogs “Adblogando“ e "Desmistificando". Formada pela Universidade Estadual Paulista / UNESP.
Parabéns! Contos excelentes que facilitam o entendimento do leitor. Sou advogada e jamais me interessei pelo Direito Previdenciário, no entanto, quando procedi a leitura de suas histórias percebi que todos podemos e devemos entender o que esse governo está fazendo com essa brava gente brasileira. Vamos a luta!
Obrigada, Dra. Maria de Fátima!
Em primeiro lugar vc esta de parabéns pelo ablogando, é de admirar como somos instruídos com muita sabedoria obrigada.
Muito interessante o texto, consegui compreender e ficar ainda mais horrorizada com essa medida. Existem sim muitos casos de canalhisse, mas também existem famílias, que além da dor da perda, estariam sendo “tachadas” de golpistas…
A aferição a palavra “leigos” é sobre a reportagem que você fez aquele desabafo tão significativo … Pessoas que não procuram as informações corretas e sem nenhum escrúpulo vem a público com falácias, generalizando toda uma classe … eu poderia dizer, por exemplo, “que os médicos geneticistas estão matando a população com suas experiências em animais e plantas e seres humanos” … estaria generalizando pois existem muitos médicos que buscam a cura para esta ou aquela doença … mas existem sim aqueles que estão trabalhando no sentido de desenvolver “mortes silenciosas” … e por isso vou afirmar que toda a classe médica deseja o genocídio??? … espero ter me explicado!
Gostei muito de seus artigos colega … além de didático é ilustrativo também! Parabéns! Já me inscrevi para receber seus artigos… precisamos de pessoas como você para trazer luz ao entendimento dos “leigos”! …. se é que me entende!!!
Ok Alessandra, se ainda não escreveu nenhum livro, está na hora da começar a pensar.
Parabéns pela criatividade.
De advogada a escritora! Quem diria! Hehe!
Boa tarde Dra.
Trabalho nos correios a 8 anos como carteiro e estou licenciado para o sindicato,estou cursando direito no quinto semestre e a história me ajudou a entender um pouco melhor o golpe nos benefícios previdenciários.Tenho uma duvida sobre a vigência e se a MP tem como base a lei 8213/91?
Também li a publicação no Jus brasil, achei muito bom.
Gostaria de receber os artigos por e-mail se fosse possível.
Obrigado e Parabéns.
Temos que volttar as jornadas de junho pra barrar os ataquues desse governo PTralha.